Sou qualquer coisa de intermédio:
Pilar da ponte de tédio.
Que vai de mim para o Outro."
Sete canções de declínio
Meu alvoroço de oiro e lua
Tinha por fim que transbordar...
- Caiu-me a Alma ao meio da rua,
E não a posso ir apanhar!
Caranquejola
Ah, que me metam entre cobertores,
E não me façam mais nada!...
Que a porta do meu quarto fique para sempre fechada,
Que não se abra mesmo para ti se tu lá fores!
Álcool
Que droga foi a que me inoculei?
Ópio de inferno em vez de paraiso? ...
Que sortilégio a mim próprio lancei?
Como é que em dor genial eu me eternizo?
Nem ópio nem morfina. O que me ardeu,
Foi álcool mais raro e penetrante:
E só de mim que ando delirante-
Manhã tão forte que me anoiteceu.
Fim Quando eu morrer batam em latas, Rompam aos saltos e aos pinotes, Façam estalar no ar chicotes, Chamem palhaços e acrobatas! Que o meu caixão vá sobre um burro Ajaezado à andaluza... A um morto nada se recusa, Eu quero por força ir de burro.
Além-tédio Nada me expira já, nada me vive --- Nem a tristeza nem as horas belas. De as não ter e de nunca vir a tê-las, Fartam-me até as coisas que não tive. Como eu quisera, enfim de alma esquecida, Dormir em paz num leito de hospital... Cansei dentro de mim, cansei a vida De tanto a divagar em luz irreal. Outrora imaginei escalar os céus À força de ambição e nostalgia, E doente-de-Novo, fui-me Deus No grande rastro fulvo que me ardia. Parti. Mas logo regressei à dor, Pois tudo me ruiu... Tudo era igual: A quimera, cingida, era real, A própria maravilha tinha cor! Ecoando-me em silêncio, a noite escura Baixou-me assim na queda sem remédio; Eu próprio me traguei na profundura, Me sequei todo, endureci de tédio. E só me resta hoje uma alegria: É que, de tão iguais e tão vazios, Os instantes me esvoam dia a dia Cada vez mais velozes, mais esguios...
fontes: http://users.isr.ist.utl.pt/~cfb/VdS/sa.carneiro.html